Os bobos
Escreve quem sabe
2016-10-25 às 06h00
Todos nós já convivemos com a saúde. E todos nós já convivemos com a doença. Com o sofrimento. Com a angústia. E até com a morte. Possivelmente cada um de nós já passou por uma situação de luto profundo e sentido, tendo noção de que apenas para a frente seria o caminho. E todos nós já tivemos alguma dor. Ou algum mal-estar. Ou algum incómodo. Possivelmente cada um de nós viveu com uma doença semelhante à do Outro que se encontra ao nosso lado, mas o nosso padecimento parece sempre maior que o dele. É normal - o instinto de sobrevivência obriga-nos a olhar mais pelo nosso corpo quando dele precisamos.
Mas nem sempre o padecimento é físico. Parece quase uma dor na alma, uma angústia que nos leva a pensar se vale a pena nos levantarmos da cama, quando, na realidade, o que apetece é ficar no escuro, debaixo dos lençóis, todo o dia. Devemos estar alertas para este tipo de comportamento. Aliás, a nossa própria vigilância também deve ser ativada para que a nossa saúde mental seja preservada.
Mas, afinal, fala-se tanto de saúde mental, e esta encontra-se tão na moda, que às vezes é preciso parar para percebermos o que é. A Organização Mundial de Saúde define saúde mental como um “estado de bem-estar no qual o indivíduo está consciente das suas próprias capacidades, pode fazer frente às tensões normais da vida, pode trabalhar de forma produtiva e frutífera e é capaz de realizar uma contribuição na sua comunidade”, ou seja, a consciência de nós, daquilo que podemos fazer ou não fazer, aquilo de que somos realmente capazes deve estar presente nas nossas vidas.
No dia-a-dia todos somos sujeitos a tensões, preocupações, arrelias - uns mais do que outros, é certo - mas é a forma como fazemos face a estes imprevistos que nos ajuda a manter o equilíbrio perante as adversidades. As nossas atitudes ficam connosco - as atitudes dos outros também, mas são deles e são eles que têm de responder perante as mesmas. A forma como reagimos a uma ação acompanha-nos durante os momentos quotidianos, portanto mais vale começarmos o dia com alguma calma e serenidade, que nos permite respirar fundo e optar, para que tudo não se torne insuportável até à noite.
O trabalho produtivo e frutífero implica que haja igualmente uma remuneração. Não é por alguém apresentar uma doença mental que, automaticamente, deve ser colocado à margem das questões da justiça salarial e equidade de recompensas. O sentido de ser produtivo ajuda a pessoa a sentir-se útil e necessária, importante para o tecido social. Importante ao ponto de contribuir para a sociedade onde se insere, onde encontra os seus pares, onde se sente em casa. Com a cultura que lhe é familiar, com os valores que lhe são próximos, com direitos e deveres e segurança - para a qual deseja contribuir.
O sentimento de pertença e integração é muito importante para todos nós. Em especial para aqueles que, por um motivo ou outro de maior fragilidade, se sentem um pouco diferentes. Mas, no fundo, o que é a normalidade? Qual o padrão que deve ser considerado como dentro de um eixo? Ou será que, hoje em dia, é já possível falar de um espectro daquilo que é considerado como normal? E quais são as razões de olharmos de forma adversa e estigmatizada para aqueles que apresentam algum tipo de problema mental?
Estão são questões profundamente marcadas pela história e pelo correr dos anos. A doença mental, associada durante os tempos aos maus espíritos e consequências de desvios morais ainda é hoje vista como como uma ofensa às diversas comunidades. Facto que tem de mudar. Ser transformado. O estigma deve ir terminando - começando em cada um de nós - para que todos sejam aceites como partes de algo maior e único. Saúde e doença são como diferentes faces de uma mesma moeda. E, acreditem, ambas tocam a todos.
Esperança, decisão, integração, mudança, autonomia, bem-estar e confiança são palavras que podem fazer parte intrínseca de quem somos. Todos temos direito a elas. E todos temos o dever de as preservar nas nossas vidas, assumi-las como sendo essenciais para a nossa integridade enquanto seres humanos, como algo que nos permite a sobrevivência. Tal como cuidar do corpo quando surge uma gripe ou uma constipação, há que cuidar da nossa mente para que os incómodos e padecimentos se tornem aliados da nossa resiliência e caminhada.
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