Correio do Minho

Braga, quinta-feira

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Cartão vermelho: e depois?

Braga - Concelho mais Liberal de Portugal

Ideias

2016-06-26 às 06h00

Artur Coimbra Artur Coimbra

1. Os britânicos foram às urnas na quinta-feira, em referendo altamente participado, para decidirem sobre a saída ou a permanência na União Europeia e resolveram, por maioria de 51,9%, abandonar o projecto comum onde estavam inseridos há 43 anos. Fizeram história, sem dúvida, mostraram um cartão vermelho à União Europeia e abriram clareiras de incerteza sobre o próximo futuro da união britânica e da europeia.
O Reino Unido ficou cindido quase ao meio, entre os apoiantes de uma e de outra das soluções. Curiosamente, os mais jovens votaram pela permanência e os mais velhos maioritariamente pelo chamado “Brexit”. Territorialmente, as grandes metrópoles cosmopolitas, como Londres, Liverpool e Manchester, zonas com maiores níveis educacionais e de apego europeísta, pronunciaram-se pelo “Remain”, o que aconteceu também com a Escócia e a Irlanda do Norte. Do outro lado, o que acabou por vencer, esteve o resto da Inglaterra, mais preocupada com o emprego e a imigração, bem como o País de Gales.
O “Brexit” - por alguns crismado como “o dia da independência” - suscitou, obviamente e como era previsível, um terramoto financeiro e político na Grã-Bretanha.
Certamente, diversos factores terão contribuído para a decisão maioritária dos britânicos, a que não será alheio o clima de apreensão e de medo face a questões como o desemprego, o dossiê dos refugiados, ou a política de segurança e defesa, curiosamente temas e bandeiras da propaganda xenófoba, o que não deixa de ser paradoxal naquela que se reclama a mais antiga democracia do mundo!...O populismo mais primário até por lá triunfa!...
A saída britânica da União Europeia provocou, desde logo, um brutal afundamento das bolsas europeias, a queda da libra, a desconfiança dos mercados financeiros e o “ressentimento” dos líderes das instituições europeias, como também seria expectável. Até o nosso circunspecto Expresso de ontem alterou a capa inicialmente programada por virtude dos acontecimentos além Mancha.
Mas também provocou a demissão do primeiro-ministro, David Cameron e levou a Escócia, maioritariamente adepta da continuação na Europa (62%), a referendar novamente a sua independência do Reino Unido, considerando “democraticamente inaceitável” que o país seja retirado da UE contra a sua vontade. Estas algumas das consequências imediatas de uma decisão popular que não deixa de alterar profundamente o estado de coisas, tanto na Grã-Bretanha, como na Europa.
Obviamente, que qualquer consulta popular é para respeitar. Os resultados do referendo são para aceitar por todos os povos e instituições democráticos, como expressão de uma vontade soberana dos britânicos. Pode-se discordar deles, mas o sentido é que os britânicos afirmaram, nas urnas, que estão fartos da União Europeia e da sua burocracia. Aliás, quem é que está contente com a eurocracia, a não ser os que directamente dela beneficiam?
A saída da Grã-Bretanha necessariamente torna a Europa mais fraca, de todos os pontos de vista, e até do militar.
Muitos temem agora o efeito dominó que advém das opções da maioria do eleitorado britânico. Fala-se já de forças políticas (a maioria extremistas, de esquerda ou de direita…) a suscitarem a realização de consultas populares em países como a França, a Holanda, a Itália, a Suécia, a Dinamarca, ou a Polónia. Ninguém sabe assim qual vai ser o futuro deste projecto europeu, se é que vai ter futuro...
Todavia, se o mal-estar reina em diversos países e opiniões públicas, a que Portugal também não é alheio, há que saber encontrar as suas raízes, nem que seja num cada vez maior afastamento dos cidadãos da vida política, nas trágicas consequências dos programas de ajustamento financeiro a que estiveram sujeitos diversos países, por culpa da cupidez capitalista e da burocracia imbecilizada das instituições europeias, parte das quais não tem a mínima legitimidade democrática, porque não representa nem foi eleita pela população europeia.
2. É claro que a União Europeia, agora a 27, vai ter de ser refundada, ou cairá vertiginosamente no descalabro, para gáudio da extrema-direita, dos nacionalistas radicais e até de Vladimir Putin, que, nos seus claros propósitos imperialistas, fica imperialmente feliz quando a União Europeia fracassa.
O que os resultados do referendo no Reino Unido demonstraram é que “Europa” tal como está desenhada e praticada, não vai a lado nenhum, com toda a certeza. Urge uma reforma profunda das suas instituições e das suas práticas, sob pena de o número de povos a suscitarem referendos nacionais subir em flecha, com resultados previsíveis. Porque a ideia de Europa tem de servir para alguma coisa, tem de funcionar como cimento para a construção de um edifício colectivo que albergue aspirações, projectos, realidades, sonhos de todos e de cada um dos cidadãos que habitam o território. Porque a Europa nasceu para os cidadãos e não para os funcionários da eurocracia…
A União Europeia, com excepção de Angela Merkel, que é de facto quem domina a seu bel-prazer a Europa, é gerida por líderes fracos, débeis, incapazes, mais interessados nas suas agendas políticas e pessoais que no projecto europeu, quando se supõe que a Europa é ou deveria ser uma construção colectiva de povos e de países.
Não bastam ocas e retóricas proclamações dos líderes das instituições europeias a baterem com a mão no peito, a deplorarem o estado das coisas, a lamentarem que haja povos que não queiram desfrutar das delícias da Europa.
É claro que a superioridade moral da União Europeia se pode creditar aos resultados expressos na realidade de uma matriz de paz num continente de guerra, de alguma solidariedade entre as nações e da introdução de bem-estar e de desenvolvimentos nos países mais pobres. Mas não chega, certamente…
Há urgente necessidade de repensar o projecto europeu, mais próximo dos cidadãos, numa Europa mais social e mais democrática, mais humana e mais justa, menos dependente dos burocratas sem rosto que tudo decidem sem prestar contas a ninguém, que não têm ou não devem ter legitimidade para resolverem assuntos que deveriam ser da alçada dos povos e dos parlamentos nacionais.
Há um profundo e histórico défice de democracia na União Europeia, havendo por isso a necessidade de maior participação democrática dos povos nas decisões que a cada país respeitam.
Esta é também uma lição do referendo britânico, no sentido em que os cidadãos estão cansados de serem mandados por quem não escolheram, manipulados sem escrúpulos em Bruxelas por quem não tem legitimidade democrática para o fazer. Só o Parlamento Europeu é eleito democraticamente, ainda assim flagrantemente com deputados a mais, gabinetes a mais, mordomias em excesso, quando a Europa se debate com o desemprego, a crise, com milhões de pessoas sem condições mínimas de sobrevivência. Uma vergonha para o projecto europeu…
A burocracia europeia está refém do sistema financeiro e por isso, em cada país, só lhe importa capitalizar bancos e reforçar o poderio financeiro do capitalismo sem rosto e sem pátria. Não é necessário irmos mais longe: Portugal é um bom exemplo do que a Europa não pode, nem deve, ser, sob pena de implosão!

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